Crime de guerra

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Um crime de guerra é uma violação do direito internacional ocorrida em guerras, principalmente com violação dos direitos humanos. Os crimes de guerra são definidos por acordos internacionais, incluindo as Convenções de Genebra e, de maneira particular, o Estatuto de Roma (no artigo 8), gerindo as competências da Corte Penal Internacional (CPI).

De uma maneira geral, um ato é definido como um crime de guerra a partir do momento em que uma das partes em conflito ataca voluntariamente objetivos (tanto humanos como materiais) não-militares. Um objetivo não-militar compreende civis, prisioneiros de guerra e feridos.

O desrespeito dos tratados internacionais, como as Convenções de Genebra, é igualmente considerado como crime de guerra. No Brasil, esse tipo de crime é um dos que pode receber uma pena de morte, mas mesmo assim, apenas em caso de guerra.

Principais crimes[editar | editar código-fonte]

Segunda Guerra Mundial[editar | editar código-fonte]

Mortes durante a Segunda Guerra por país.

As estimativas para o total de mortos na guerra variam, pois muitas mortes não foram registradas. A maioria sugere que cerca de 60 milhões de pessoas morreram no conflito, incluindo cerca de 20 milhões de soldados e 40 milhões de civis.[1] [2] [3] Somente na Europa, houve 36 milhões de mortes, sendo a metade de civis. Muitos civis morreram por causa de doenças, fome, massacres, bombardeios e genocídios deliberados. A União Soviética perdeu cerca de 27 milhões de pessoas durante a guerra,[4] quase metade de todas as mortes da Segunda Guerra Mundial.[5] Um em cada quatro cidadãos soviéticos foram mortos ou feridos nesse conflito.[6]

Do total de óbitos na Segunda Guerra Mundial cerca de 85 por cento, na maior parte soviéticos e chineses, foram do lado dos Aliados e 15 por cento do lado do Eixo. Muitas dessas mortes foram causadas por crimes de guerra cometidos pelas forças alemãs e japonesas nos territórios ocupados. Estima-se que entre 11[7] e 17[8] milhões de civis morreram como resultado direto ou indireto das políticas ideológicas nazistas, incluindo o genocídio sistemático de cerca de seis milhões de judeus durante o Holocausto, juntamente com mais cinco milhões de ciganos, eslavos, homossexuais e outras minorias étnicas e grupos minoritários.[9] Aproximadamente 7,5 milhões de civis morreram na China durante a ocupação japonesa[10] e os sérvios foram alvejados pela Ustaše, organização croata alinhada ao Eixo.[11]

A atrocidade mais conhecida cometida pelo Império do Japão foi o Massacre de Nanquim, na qual centenas de milhares de civis chineses foram estuprados e assassinados.[12] Entre 3 milhões e 10 milhões de civis, a maioria chineses, foram mortos pelas forças de ocupação japonesas.[13] Mitsuyoshi Himeta registrou 2,7 milhões de vítimas durante a política conhecida como Sanko Sakusen. O general Yasuji Okamura implementou a política em Heipei e Shandong.[14]

Civis chineses sendo enterrados vivos por soldados japoneses durante o Massacre de Nanquim.

As forças do Eixo fizeram uso de armas biológicas e químicas. Os italianos usaram gás mostarda durante a conquista da Abissínia,[15] enquanto o Exército Imperial Japonês usou vários tipos de armas biológicas durante a invasão e ocupação da China e nos conflitos iniciais contra os soviéticos.[16] Tanto os alemães quanto os japoneses testaram tais armas contra civis e, em alguns casos, sobre prisioneiros de guerra. A Alemanha nazista e o Império Japão realizaram experiências utilizando seres humanos como cobaias (ver: Experimentos humanos nazistas [17] e Unidade 731 [18] [19] ) Temendo punições, vários criminosos de guerra fugiram da Europa após término do conflito. As rotas de fuga usadas por estes criminosos ficaram conhecidas como as "linhas de ratos" (Ratlines).

Embora muitos dos atos do Eixo tenham sido levados a julgamento nos primeiros tribunais internacionais,[20] muitos dos crimes causados pelos Aliados não foram julgados. Entre os exemplos de ações dos Aliados estão as transferências populacionais na União Soviética e o internamento de estadunidenses-japoneses em campos de concentração nos Estados Unidos; a Operação Keelhaul,[21] a expulsão dos alemães após a Segunda Guerra Mundial, os estupros em massa de mulheres alemãs pelo Exército Vermelho Soviético; o Massacre de Katyn cometido pela União Soviética, para o qual os alemães enfrentaram contra-acusações de responsabilidade. O grande número de mortes por fome também pode ser parcialmente atribuído à guerra, como a fome de 1943 em Bengala e a fome de 1945 no Vietnã.[22]

Também tem sido sugerido como crimes de guerra por alguns historiadores o bombardeio em massa de áreas civis em território inimigo, incluindo Tóquio e mais notadamente nas cidades alemãs de Dresden, Hamburgo e Colônia pelos Aliados ocidentais,[23] que resultou na destruição de mais de 160 cidades e matou um total de mais de 600 mil civis alemães.[24]

Os bombardeamentos de Hiroshima e Nagasaki foram ataques nucleares ocorridos no final da Segunda Guerra Mundial contra o Império do Japão realizados pela Força Aérea dos Estados Unidos da América na ordem do presidente americano Harry S. Truman nos dias 6 de agosto e 9 de agosto de 1945.[25] Após seis meses de intenso bombardeio em 67 outras cidades japonesas, a bomba atômica "Little Boy" caiu sobre Hiroshima numa segunda-feira.[26] Três dias depois, no dia 9, a "Fat Man" caiu sobre Nagasaki. Historicamente, estes são até agora os únicos ataques onde se utilizaram armas nucleares.[27] As estimativas do primeiro massacre por armas de destruição maciça sobre uma população civil apontam para um número total de mortos a variar entre 140 mil em Hiroshima e 80 mil em Nagasaki,[28] sendo algumas estimativas consideravelmente mais elevadas quando são contabilizadas as mortes posteriores devido à exposição à radiação.[29] A maioria dos mortos eram civis.[30] [31] [32]

As explosões nucleares, a destruição das duas cidades e as centenas de milhares de mortos em poucos segundos levaram o Império do Japão à rendição incondicional em 15 de agosto de 1945, com a subsequente assinatura oficial do armistício em 2 de setembro na baía de Tóquio e o fim da II Guerra Mundial.

Os Estados Unidos nunca foram julgados por estes genocídios e crimes de guerra em Hiroshima e Nagasaki.

Ruanda[editar | editar código-fonte]

Em 6 de Abril de 1994, Juvénal Habyarimana e Cyprien Ntaryamira, o presidente do Burundi, foram assassinados quando o seu avião foi atingido por fogo quando aterrissava em Kigali. Durante os três meses seguintes, os militares e milicianos ligados ao antigo regime mataram cerca de 800 mil tútsis e hutus oposicionistas, naquilo que ficou conhecido como o Genocídio de Ruanda. Entretanto, a RPF, sob a direção de Paul Kagame ocupou várias partes do país e, em 4 de Julho entrou na capital Kigali, enquanto tropas francesas de manutenção da paz ocupavam o sudoeste, durante a “Opération Turquoise”. Ainda trabalha-se para julgar os culpados pelo massacre de Ruanda. Até 2001, 3 mil foram julgados, com quinhentas penas máximas de prisão perpétua.

Dois filmes ajudam a entender a amplitude do conflito e a interferência internacional durante a formação, o decorrer e o fim do Genocídio, o primeiro é "Hotel Ruanda", que conta a história de um hoteleiro chamado Paul Rusesabagina, que enfrenta a difícil tarefa de defender sua família e amigos tútsis, da repressão hutu, e acaba por abrigar diversos refugiados, em miséria e pavor, em seu hotel antes destinado aos turistas e missionários na região. A história é baseada em acontecimentos reais. O segundo filme, "Aperte as mãos do diabo", é uma adaptação da autobiografia do general Romeo Dallaire, comandante das forças canadenses e da missão de paz ao Ruanda. O filme conta a jornada de Dallaire no genocídio de 1994 em Ruanda, e de como seu pedido de mais ajuda à Organização das Nações Unidas foi ignorado. Uma curiosidade é que ambos os filmes destacam a tentativa estado-unidense, apoiada pelos britânicos, de impedir a veiculação do termo genocídio, o qual obrigaria uma intervenção internacional com a participação tanto dos EUA, quanto do Reino Unido.

Faixa de Gaza[editar | editar código-fonte]

Uma escalada de violência israelense ocorreu após a morte de três adolescentes israelenses na Cisjordânia no final de junho de 2014. Como “vingança”, um jovem palestino foi queimado vivo e assassinado em Jerusalém. Logo após a descoberta dos corpos dos três jovens, Israel iniciou uma ofensiva contra o Hamas . Aviões de guerra passaram a bombardear Gaza destruindo casas e instituições e foram realizadas execuções extrajudiciais. Os ataques israelenses causaram a morte de 600 palestinos — entre eles 147 crianças e 74 mulheres —, 74% dos quais eram civis. Também 27 soldados e dois civis israelenses morreram durante estes ataques.

Em 23 de julho de 2014, a alta comissária das Nações Unidas para os Direitos Humanos, Navi Pillay, denunciou que os ataques do Exército israelense contra Gaza poderiam constituir crimes de guerra. Ela disse: "Os exemplos que acabo de mencionar [ataques israelenses contra civis indefesos] mostram que a lei humanitária internacional foi violada até um alcance que poderiam constituir crimes de guerra". Navi falou perante o Conselho de Direitos Humanos da ONU, que na mesma data realizou uma sessão especial sobre a incursão israelense. Navy destacou que civis e suas casas não devem ser alvos militares, argumento que já havia sido usado pela ONG humanitária Human Rights Watch, e qualificou como "inaceitável" o lançamento de foguetes de áreas densamente povoadas, como presumivelmente faz o grupo islamita Hamas, "no entanto, a lei internacional é clara: as ações de uma parte não absolvem à outra de sua responsabilidade de respeitar suas obrigações sob a lei internacional". A alta comissária fez um especial alerta sobre a morte de crianças nestes ataques. Navy reiterou a todas as partes do conflito "Israel, Hamas e outros grupos armados palestinos" que apliquem a lei internacional e deixem de ter como alvo os civis. Ela lembrou que desde 12 de junho Israel deteve mais de 1.200 palestinos na Cisjordânia e Jerusalém Oriental, e que muitos deles foram postos em detenção administrativa, ou seja, estão presos sem qualquer acusação. "Na Cisjordânia, Israel continua expandindo assentamentos, demolindo casas palestinas, usando excessivamente a força, abusando de forma contínua e violando constantemente os direitos humanos da população", informou a alta representante.

O Conselho de Direitos Humanos das Nações Unidas aprovou em 23 de julho de 2014 uma resolução que condena Israel por sua ofensiva militar contra Gaza e também cria uma comissão própria para investigar crimes e violações do direito internacional na empreitada. Entre os 47 países-membros do conselho, a resolução foi aprovada por 29 votos favoráveis — todos os países latino-americanos, incluindo o Brasil, apoiaram a proposta — e 17 abstenções (Alemanha, Itália, França e Reino Unido permaneceram neutros). Os Estados Unidos foram os únicos a se opor à proposta, assinalando que o conteúdo do documento é "destrutivo" e que em nada contribui para o fim das hostilidades. Em termos gerais, o documento pede que Israel detenha imediatamente sua operação na Faixa de Gaza, especialmente os ataques contra os civis. Além disso, reivindica a suspensão do bloqueio contra Gaza, para que seja possível a entrada segura de ajuda humanitária e comércio de bens no território. Sobre a comissão investigadora, o documento destaca que terá personalidade independente e internacional, e que deve viajar de forma urgente aos territórios palestinos para realizar sua investigação. Suas indagações deverão cobrir o período desde o dia 13 de junho, além de incluir a identificação dos responsáveis dos crimes e recomendar medidas para que sejam julgados por seus atos. "Tudo isto com o propósito de evitar e pôr fim à impunidade, e garantir que os responsáveis prestem contas", indica a resolução.[33] [34]

Ver também[editar | editar código-fonte]

Ligações externas[editar | editar código-fonte]

Wikcionário
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  1. O'Brien, Prof. Joseph V. World War II: Combatants and Casualties (1937–1945) Obee's History Page John Jay College of Criminal Justice. Visitado em 20 de abril de 2007.
  2. White, Matthew. Source List and Detailed Death Tolls for the Twentieth Century Hemoclysm Historical Atlas of the Twentieth Century Matthew White's Homepage. Visitado em 20 de abril de 2007.
  3. World War II Fatalities secondworldwar.co.uk. Visitado em 20 de abril de 2007.
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  5. Leaders mourn Soviet wartime dead BBC News (9 de maio de 2005). Visitado em 7 de dezembro de 2009.
  6. "The World's Wasted Wealth 2: Save Our Wealth, Save Our Environment". J. W. Smith (1994). p.204. ISBN 0-9624423-2-1
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  12. Chang, Iris. The Rape of Nanking: The Forgotten Holocaust of World War II. [S.l.]: BasicBooks, 1997. p. 102. ISBN 0465068359
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  20. Aksar, Yusuf. Implementing International Humanitarian Law: From the Ad Hoc Tribunals to a Permanent International Criminal Court. [S.l.]: Routledge, 2004. p. 45. ISBN 0714684708
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  33. http://internacional.estadao.com.br/noticias/geral,israel-pode-ter-cometido-crimes-de-guerra-diz-comissaria-da-onu,1532791
  34. http://www.lemonde.fr/proche-orient/article/2014/07/23/gaza-aucun-repit-dans-l-offensive-les-vols-vers-tel-aviv-toujours-bloques_4461483_3218.html