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Como trabalhadoras do sexo no Brasil vêm conquistando direitos pelo sindicato

Em entrevista, a Associação Mulheres Guerreiras discutem os avanços na profissão através de seu ativismo. English

Miriam Haughton Joel Levy Betania Santos
9 March 2020
A scene from Campinas, Brazil.
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Mauricio Morello/Flickr. Creative Commons (by)

Em janeiro de 2020, Miriam Haughton e Joel Levy, da Associação de Trabalhadores e Trabalhadoras Sexuais da Jamaica (SWAJ) e Julia O'Connell Davidson, da Universidade de Bristol, visitaram o Brasil para aprender sobre as condições de trabalho das profissionais do sexo brasileiras e sobre o ativismo das trabalhadoras sexuais brasileiras contra a violência e descriminalização. Somos muito agradecidos à Betânia Santos e à Associação Mulheres Guerreiras por nos receber em Itatinga e por nos conceder a entrevista abaixo.

Associação de Trabalhadores e Trabalhadoras Sexuais da Jamaica (SWAJ): Primeiro nós gostaríamos de agradecer você, Betânia, e a Associação Mulheres Guerreias por nos receber aqui em Itatinga e compartilhar um pouco da experiência de vocês com a gente. Você poderia contar um pouco da história das mulheres guerreias, de sua luta e das estratégias utilizadas na busca por direitos.

Betânia Santos: Bom, nós somos um grupo de trabalhadoras sexuais, formada por um grupo de prostitutas do centro da cidade de Campinas. Já existente há 18 anos, portanto já completamos maioridade. Porém, isso na luta, mas no papel estamos com 11 anos de idade, ainda na pré-adoscência, fomos registradas em 2007 e estamos na luta por direitos do trabalho até hoje.

A nossa luta é garantir melhor qualidade no trabalho sexual pra essa categoria que nós representamos. Nós lutamos, junto à categoria, em prol de todos os direitos que assim nos cabe, como é cabível para qualquer trabalhador. Um dos nossos primeiros lemas foi entrar para uma central sindical [no caso a CUT – Central Única de Trabalhadores] para podermos estar junto com outras categorias, discutindo os direitos delas, para que elas também possam discutir os nossos direitos, junto conosco.

Nossa estratégia é utilizar os meios de políticas públicas existentes no município, no estado e no país, para que possamos nos fazer ser conhecidas. Exemplo: Conselhos existentes em nossa cidade, nós procuramos estar sempre junto nos Conselhos em que se discute a vida dos cidadãos e as políticas para esses cidadãos. Conselho da Mulher, Conselho de Saúde, até mesmo conselhos jurídicos, como o Conselho Tutelar. Estamos sempre nesses coletivos, discutindo os direitos dos cidadãos brasileiros, discutindo os direitos do trabalhador, incluindo o nosso trabalho, como de fato é. Começamos com o Conselho dos Direitos Humanos usando a Constituição, onde todos nós somos iguais em direitos. Estamos no Conselho de Saúde porque estamos fazendo um trabalho bem flexível; se nos consideram “insalubre”, então entramos no Conselho de Saúde para discutir a saúde do trabalhador sexual.

Faz parte das estratégias usadas pelo grupo da Associação Mulheres Guerreiras incluir nas discussões desses coletivos, um membro, pelo menos um membro, para que nossa organização não fique invisível e nem sejam discutidas qualquer coisa que seja sem a nossa presença. Então participamos de alguns grupos através dos Conselhos.

Portanto, quando há qualquer tipo de discussão que está envolvendo-nos enquanto cidadãos, nós, da Associação Mulheres Guerreiras estamos sempre presentes, para ouvir e indicar o que nós queremos como trabalhador, afinal somos cidadãos como qualquer outro e somos trabalhadores de fato, que movem a economia de nossa cidade.

Você poderia apontar alguns dos ganhos que vocês já conseguiram através desse modelo de luta por direitos?

Um dos maiores ganhos que já obtivemos e que pra nós é de muita valia e que serve como modelo pelo menos para dois países vizinhos, México e Peru, é a nossa inserção na Central Única dos Trabalhadores (CUT). Em 2009 fomos acolhidas lá pela estrutura soldária da CUT – Subsede Campinas, daí então a Associação Mulheres Guerreiras teve um avanço muito grande, com relação à discussão do trabalho sexual junto a outros trabalhos.

Afinal de contas nós somos trabalhadoras e os nossos maiores clientes são também os trabalhadores. Então tivemos uma reunião com um dos diretores da CUT na época - CUT Subsede Campinas deixando bem claro - e nós adquirimos uma sala para estarmos presente, dando assessoria às nossas trabalhadoras e nossas colegas lá na sede do centro, na Subsede do centro. Então esse foi um dos nossos maiores avanços, como política para trabalhador.

Daí então nós tivemos esse grande crescimento de estarmos participando do Coletivo de Mulheres da CUT, mulheres trabalhadoras da CUT e estarmos avançando para outros estágios. Inclusive hoje, ainda não é publicitado para todo mundo, mas nós somos convidados, pela propria CUT, nos últimos Conselhos que teve agora, a estarmos pedindo carta de filiação como Organização. Esse é um dos maiores ganhos que eu acho que o trabalhador sexual do Brasil tem encontrado hoje, principalmente nas políticas nas quais estamos vivendo.

A CUT, não vou dizer que nos abraça carinhosamente, mas está começando a discutir o trabalho sexual como um trabalho de fato e válido para toda a nossa categoria. Este ganho, ele é tão importante para nós que nós podemos discutir e falar claramente com outras categorias, com outras entidades, que temos o apoio de uma das maiores centrais sindicais do nosso país, pelo menos da Subsede Campinas. E a cidade de Campinas é uma cidade onde todos os coletivos e organizações são muito respeitadas e, pra nós é um orgulho muito grande e um ganho muito importante na nossa luta para os trabalhadores sexuais.

Você tem algum contato e troca de conhecimentos com grupos de profissionais do sexo de outros países? Você acha que é importante que as mulheres guerreiras façam isso?

Pra nós, é de uma extrema importância conhecer outros lutadores, colegas trabalhadores de outros países, tanto é que fazemos hoje, estamos juntos na formação de uma terceira plataforma latino-americana de trabalhadores sexuais. Super importante esse nosso intercâmbio com outros países, tanto é que já estamos em intercâmbio, negociação, com outros 5 países além de Moçambique – país onde estivemos visitando recentemente e também recebemos aqui em Itatinga trabalhadores sexuais de lá. Nós estamos procurando nos informar e informar modelos de todos os locais de trabalho. Porque nós temos muito ouvido falar de modelos de outros países. Modelos que deram certo, modelos que não deram certo e sempre de uma forma negativa, colocando que nós não estamos pensando direito naquilo que nós estamos fazendo, assim como já digo e tenho dito em algumas falas minhas.

O Movimento Brasileiro de Prostitutas não admite que se faça “Nada para nós, sem nós!”. Então estamos em contato com trabalhadores sexuais de Moçambique, na cidade de Maputo e a cidade de Nampula. Estamos em contato com trabalhadores sexuais da Cidade do México, Tampico. Estamos em contato com Equador, exatamente da capital. Estamos em contato com trabalhadores sexuais da Colômbia, trabalhadores sexuais de Nicarágua, trabalhadores sexuais da Argentina. Então estamos formando, estamos dentro de redes latinoamericanas e também estamos em contato com trabalhadoras sexuais da Holanda, para que nós possamos estar unindo forças em prol do nosso trabalho e estarmos também formando o nosso proprio modelo, que é de luta pelo trabalho sexual, que é de luta por essa categoria.

Respeito é bom, nós gostamos e nosso lema é “Trabalhadores Sexuais Unidos Pelo Respeito. Nada Sobre Nós, Sem Nós”, pois afinal de contas nós temos autonomia e a possibilidade de falarmos e respondermos por nós mesmas.

Só mais um pouquinho, sim é muito importante que nós sejamos conhecidos e façamos com que os outros países, os outros colegas também sejam conhecidos no nosso país. Pra nós é muito importante pois essa categoria, é uma categoria bastante potente e existente no mundo inteiro. Então ela tem que se fazer sim ser conhecida, para nós é uma honra recebermos e sermos recebidas por trabalhadores de outros países, de outras cidades, de outros estados. Estamos sempre às ordens para podermos contribuir com os nossos colegas.

Após a entrevista, Letizia Patriarca, que organizou nossa visita, enfatizou a importância do trabalho da Associação Mulheres Guerreiras no atual contexto jurídico no Brasil.

Letizia Patriarca: A Classificação Brasileira de Ocupações (CBO) desde 2002 incluíu a categoria Profissional do Sexo, de forma que a atividade não é criminalizada no Brasil. Porém não é também regulamentada, por isso a luta da Associação Mulheres Guerreiras – que inclui muheres cis, travestis e homens e também de outras organizações nacionais da Rede Brasileira de Prostitutas e da CUTS (Central Única de Trabalhadoras Sexuais) que se organizam desde os anos 80 por respeito e melhores condições de trabalho. Há tentativas de projetos de lei que nunca foram aprovados, mas que apresentavam discussões sobre o trabalho sexual realizado por uma pessoa maior de 18 anos consciente; com especificações do que seria exploração sexual, por exemplo atribuindo o repasse de mais de 50% do ganho dessa trabalhadora, o que descriminalizaria casas e pessoas que trabalham no entorno da prostituição; e condições específicas de trabalho, com garantias de aposentadoria especial. Um exemplo é o PL 4211/2012 que ainda está em tramitação, sendo conhecido como PL Gabriela Leite, justamente como homenagem e fruto do diálogo com a militância dessa ativista brasileira. Segue a linha de outros dois projetos que já tramitaram em prol do reconhecimento de profissionais do sexo: PL 3436/1997 apresentado pelo deputado Wigberto Tartuce e o PL 98/2003 do então deputado Fernando Gabeira. Inversamente, os discursos pela criminalização da prostituição são crescentes e variáveis, sendo refletidos tanto em debates de algumas correntes feministas, quanto em projetos de lei de partidos conservadores. No presente momento tramitam dois Projetos de Lei nesse sentido: o que prevê a criminalização de clientes (PL311/2011 de João Campos – PSDB/GO) e a Indicação da retirada da Classificação Brasileira de Ocupações da categoria “profissional do sexo” (no 2371/2016 de Flavinho – PSB/SP). De alguma forma, todos contribuem para negativizar e estigmatizar prostitutas, inviabilizado a discussão sobre condições de trabalho e vulnerabilidade decorrente desse não reconhecimento.


A visita que tornou possível esta entrevista foi financiada pelo Prêmio de Aceleração de Impacto da ESRC, "Acabando com a Violência contra Profissionais do Sexo", em conexão com um projeto de pesquisa da Academia Britânica envolvendo a Associação de Trabalhadores e Trabalhadoras Sexuais da Jamaica e pesquisadores da Universidade de Bristol e da Universidade de Leicester. Facilitação de entrevistas e tradução de Letizia Patriarca (Doutoranda em Antropologia Social na Universidade de São Paulo) e Angelo Martins Junior (Universidade de Bristol).

Can we imagine a world without police?

All over the world, minority groups are at risk of unprovoked violence from police. And they are more likely to end up in prison too. But if demands to defund the police succeed, what would society look like – in the US and elsewhere?

Join us on Thursday 30 July at 5pm UK time/12pm EDT for a live discussion.

Hear from:

Chris Myant Contributes to openDemocracy on France, where he has lived for the past ten years. He started working as a journalist in 1968. For many years he worked at the Commission for Racial Equality, for whom he conducted an investigation into the Prison Service and the murder of Zahid Mubarek.

Aislinn Pulley Co-founder of Black Lives Matter Chicago

Maya Schenwar Editor-in-chief of Truthout, co-author of ‘Prison by Any Other Name’ and author of ‘Locked Down, Locked Out’. She also co-edited the anthology ‘Who Do You Serve, Who Do You Protect? Police Violence and Resistance in the United States’.

Amrit Wilson Writer and activist in the movement to end violence against women and girls and member of South Asia Solidarity Group

Chair: Laura Basu Europe editor, ourEconomy

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