democraciaAbierta: Opinion

O Brasil de hoje é pior que o de Marielle Franco. Mas o futuro dele será das Marielles

O Brasil que hoje é um pior que o que jovem vereadora assassinada conheceu e por qual lutou. Mas a semente plantada pela ativista negra e lésbica criou um movimento transformador. Español English

Manuella Libardi
13 March 2020
Em 14 de março de 2018, a vereadora do Rio de Janeiro Marielle Franco e seu motorista Anderson Gomes foram mortos a tiros no coração do Rio. O crime ainda não foi solucionado, mas as investigações apontam para a participação de policiais.
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Cris Faga/Zuma Press/PA Images. Todos los derechos reservados

Desde que Marielle Franco e seu motorista Anderson Gomes foram assassinados em 14 de março de 2018, os brasileiros elegeram Jair Bolsonaro como presidente, o ex-juiz da Lavo Jato e atual Ministro da Segurança foi desmascarado como um político partidário, o Brasil cresceu um mísero 1% sob as rédeas do Ministro da Economia Paulo Guedes, o dólar bateu R$ 5.

O Brasil de hoje, de várias formas, é um pior daquele que a jovem vereadora de 38 anos do PSOL conheceu e por qual lutou.

Seu assassinato foi um aviso ensurdecedor para muitos brasileiros de que, não importa quão bem-sucedido, conhecido ou amado pelo povo, vidas negras são dispensáveis. Em um país onde dois terços de todos os homicídios femininos são de mulheres negras, seus assassinos sabem que podem agir com impunidade quase garantida.

Apesar da desesperança que inevitavelmente bate, a luta de Marielle não foi em vão. Da noite do dia 14 para a manhã do dia 15, a cria da Maré virou personificação da opressão racial e um símbolo de resistência, não só no Brasil, mas no mundo.

Nos dias que seguiram sua morte, Marielle foi homenageada no plenário do Parlamento Europeu. Ela foi capa do jornal Americano The Washington Post, um dos principais do país.

Multidões saíram a protestar e comemorar sua vida nas ruas de metrópoles ao redor do mundo, de Nova York, a Londres, passando por Paris, Munique, Estocolmo e Lisboa, para citar algumas. O Twitter e o Facebook explodiram, registrando milhões de menções de "Marielle Presente”, de lugares como Berlin, Miami e Montreal. Pessoas que nunca tinham ouvido falar o nome dela, naquele momento prestaram homenagem usando o hashtag do movimento Black Lives Matter: #SayHerName.

Em um país onde dois terços de todos os homicídios femininos são de mulheres negras, seus assassinos sabem que podem agir com impunidade quase garantida

Símbolos são importantes. Eles convêm mensagens com uma rapidez desconhecida no mundo das palavras. Levando para o lado mais espiritual, os símbolos representam portas que canalizam energia. Marielle teve e tem esse papel.

Através de suas já icônicas imagens, mulheres, negros, pessoas LGBT se uniram em um movimento que vem ganhando força no Brasil, apesar do retrocesso de muitas outras alas progressistas. Marielle usou sua plataforma para defender os direitos LGBT e das mulheres no Brasil, criando um grupo de luta interseccional construído a partir da sua própria existência interseccional.

A maior influência que Marielle teve foi justamente na política e no movimento de base do qual saiu. Ela surgiu dentro de um movimento que começou durante a crise política que culminou com o golpe contra Dilma Rousseff, e visou incluir mais mulheres, negros, indígenas e pessoas LGBT na política como forma de transformar o sistema de dentro para fora.

Como resultado, 2016 marcou o começo da ascensão política de mulheres negras na política, como Marielle e Talíria Petrone no Rio de Janeiro, Áurea Carolina e Andréia de Jesus, em Belo Horizonte. Esse movimento se organizou para criar o Ocupa Política, um encontro que reúne ativistas, políticos e pessoas que gostariam de se candidatar mas não têm os recursos ou privilégios, servindo assim de plataforma e rede de apoio.

016 marcou o começo da ascensão política de mulheres negras na política, como Marielle e Talíria Petrone no Rio de Janeiro, Áurea Carolina e Andréia de Jesus, em Belo Horizonte

O Brasil, com pelo menos metade de sua população constituída de negros e pardos, tem apenas 24% representantes desse grupo na Câmara dos Deputados. O Brasil também está entre os piores países em representatividade política feminina, ocupando o terceiro lugar na América Latina em menor representação parlamentar de mulheres. De acordo com esse ranking, a nossa taxa é de mais ou menos 10 pontos percentuais a baixo que a média global, que permanece estável desde a década de 1940.

Essa consciência foi plantada e os frutos estão vindo. Nas eleições de 2018, a quantidade de deputados negros – que é a soma de pardos e pretos, segundo critério do IBGE – cresceu quase 5% na eleição de 2018 em comparação com 2014. Entre os 513 deputados eleitos no dia 7 de outubro, 104 se reconhecem como pardos (20,27%); 21 se declaram pretos (4,09%), segundo dados do site da Câmara dos Deputados. Além disso, as eleições também marcaram a primeira vez que uma mulher indígena, Joênia Wapichana (Rede-RR), é eleita deputada federal.

A Brasil de hoje está pior que o de Marielle. Mas as mudanças virão. Como escreveu Kamilla Valentim para o Maré Notícias, existe “a certeza de que não podemos ser UMA Marielle, senão viramos alvo. Temos que ser muitas, cada uma em sua esfera.”

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