Mercado Financeiro - Herói ou Vilão?

Será o mercado financeiro responsavel pela desigualdade social? Alguns acham que sim. Este artigo pretende desmistificar conceitos equivocados através dos produtos existentes e como eles se relacionam com a economia

MERCADO FINANCEIRO: HERÓI OU VILÃO?

Autor: João de Morais Junior, economista, com MBA em Finanças e atualmente Mestrando em Gestão de Negócios na Fundação Instituto de Administração (FIA) com 35 anos de atuação no mercado financeiro nacional e internacional.

Coautor: Prof. Rodolfo Leandro de Faria Olivo, PhD em Administração pela FEA-USP e professor da FIA - Fundação Instituto de Administração.


Quinta-feira, dia 23 de setembro de 2021, manifestantes ligados ao MST (Movimento dos Trabalhadores Sem Terra) invadiram a Bolsa de Valores de São Paulo.

A razão desta invasão: segundo os manifestantes, a Bolsa de Valores é sinônimo de especulação e desigualdade social, pois segundo eles, enquanto as empresas têm lucros exorbitantes, o povo passa fome. Também, segundo o movimento, enquanto 100 milhões de pessoas estão em situação de fome e insegurança alimentar, os bilionários da Bolsa movimentam 35 bilhões diariamente.

Face ao ocorrido é razoável que muitos se perguntem. Será isso mesmo? A causa da desigualdade social é o mercado financeiro?

Pois bem caro leitor o objetivo deste artigo é explorar um pouco o mercado financeiro e seus produtos propiciando elementos de análise para que você leitor chegue a uma conclusão.

Pois bem, passemos agora a explorar os principais produtos no mercado financeiro nacional e seus objetivos.

1) Debêntures: Títulos emitidos por empresas com o objetivo de captar recursos que se destinam entre outros, ao aumento de planta industrial existente, abertura de novas unidades, e desenvolvimento de novos produtos.

Os investidores ao adquirirem estes títulos, recebem uma remuneração (taxa de juros).

Existem dois tipos de debentures (extraído do site da ANBIMA):

a) Nominativas - são aquelas em que os registros de investidores e as transferências de recursos são feitos pela própria companhia emissora, em seu livro de registros.

b) Escriturais - são mantidas sob a custódia de uma instituição financeira autorizada pela CVM. É a instituição que realiza o registro e o controle de transferências

As debêntures também são classificadas como não conversíveis, conversíveis em ações ou permutáveis e seu significado vem a seguir:

a) Não conversíveis - emissões em que não há possibilidade de as debêntures serem convertidas em ações. É o modelo mais comum no mercado.

b) Conversíveis - emissões que asseguram aos titulares das debêntures o direito de convertê-las em ações da empresa ao término do contrato ou a qualquer tempo, de acordo com o que estiver estabelecido na escritura.

c) Permutáveis - são similares às conversíveis, porém, as ações entregues ao investidor como forma de remuneração não são da própria empresa emissora, e sim de outras companhias.

Como todo produto financeiro, as debêntures apresentam risco ao investidor, por exemplo:

a) Risco da empresa emitente: O investimento feito pela empresa emitente das debêntures, pode ter problemas com seu projeto que foi objeto da emissão, tais como questões regulatórias, erros no projeto de viabilidade econômica, questões ambientais, questões que podem onerar o projeto ou impedir a sua execução, o que pode prejudicar o pagamento por parte da empresa dos valores tomados junto aos investidores.

b) Risco de mercado: Alterações no cenário político ou econômico, podem impor perdas aos investidores não somente das debêntures, mas aos demais ativos financeiros existentes no mercado.

Para minimizar os riscos de investimento os investidores devem estar atentos aos seguintes aspectos:

a) Ler a escritura de debentures que é o documento mais importante de uma debenture. Nesta escritura estão definidas as características dos ativos, como prazo, indexador, fórmula de cálculo e fluxo de pagamentos, além das condições que devem ser cumpridas pela companhia emissora ao longo da vida (prazo) da debênture.

b) Conhecer a instituição financeira responsável pela emissão, instituições que distribuirão o título, empresas de Rating (empresas que classificam o risco de crédito da empresa emitente e da debenture emitida)

c) Analisar os prospectos relativos à emissão, pois este documento fornece informações sobre a empresa emissora, seu balanço, resultados econômico-financeiros, além de suas perspectivas de investimento e retorno.

d) Liquidez do papel (debênture). Liquidez pode ser entendida como a dificuldade de vender ou comprar um título pelo preço justo no momento desejado. Esta liquidez pode ser afetada pelas condições macroeconômicas, políticas ou particulares inerentes a empresa emissora)

2) Títulos Públicos:

Títulos emitidos pelo Governo federal destinados a financiar as políticas públicas, tais como, educação, infraestrutura, projetos sociais, entre outras

Os Títulos públicos podem ser:

a) Pré-Fixados: LTN/NTN que pagam juros fixos e conhecidos no momento da aplicação. Os juros podem ser pagos semestralmente, anualmente ou no vencimento do título juntamente com o principal investido

b) Pós-Fixados: Tesouro Selic ou LFT – títulos atrelados a variação da taxa SELIC (Sistema Especial de Liquidação e de Custódia)

c) Atrelados a inflação; atrelados a índices de inflação, tais como IPCA, IGP-M, IGP-DI, entre outros, acrescidos de uma taxa de juros fixa. Por exemplo: Um título pode pagar a inflação medida pelo IPCA + 6% de juros ao ano. O total da remuneração do investidor será dado pela variação do índice de inflação, mais a taxa de juros.

Para investir em títulos públicos você pode acessar o site: www.tesourodireto.com.br para saber quais os títulos disponíveis para investimento, prazos e taxas, bem como, as instituições financeiras autorizadas a comercializar estes títulos.

3) CDB’s (Certificados de Depósitos Bancários)

Títulos emitidos pelas instituições financeiras com o objetivo de realizar operações de crédito, tais como, financiamento de veículos, crédito pessoal, crédito empresarial, entre outras, ou seja, a instituição financeira age como intermediadora de recursos, capta através dos CDBs e realiza operações de crédito com o dinheiro captado.

Os CDB’s podem oferecer remuneração prefixada, ou pós-fixada, como por exemplo, taxa SELIC, e prazos de vencimento distintos. Quanto maior prazo, maior a remuneração. Os CDB’s podem ter liquidez diária, ou ser resgatados somente no vencimento. Isso depende da forma de investimento realizada. Sofrem a incidência de IR (imposto de renda sobre o valor dos rendimentos, seguindo a tabela decrescente de acordo com o prazo de aplicação)

4) Poupança:

Título bancário que se destina primordialmente a fazer lastro às operações de crédito imobiliário.

A remuneração atualmente é calculada da seguinte forma:

I - a remuneração básica, dada pela Taxa Referencial - TR, e II - a remuneração adicional, correspondente a:

a) a) 0,5% ao mês, enquanto a meta da taxa Selic ao ano for superior a 8,5%;

b) 70% da meta da taxa Selic ao ano, calculada de forma mensal vigente na data de início do período de rendimento, enquanto a meta da taxa Selic ao ano for igual ou inferior a 8,5%

A poupança não sofre a incidência de IR (imposto de renda) sobre o rendimento e conta com a garantia de FGC (Fundo Garantidor de Crédito – instituição privada criada em 1995, com o objetivo de cobrir valores alocados a poupança em instituições financeiras que eventualmente possam “quebrar” até o limite de 250 mil por CPF – garantia ordinária – demais informações podem ser obtidas no site: (www.fgc.org,br)

5) LCA E LCI:

Títulos emitidos por instituições financeiras com a finalidade de:

a) LCA – captação de recursos para investimento no agronegócio

b) LCI – Captação de recursos destinados a financiar projetos imobiliários.

São títulos que geralmente tem prazos mais longos de aplicação (6 meses a 2 anos), portanto se o investidor tem necessidade de liquidez com prazo inferior, esta certamente não é uma boa opção de investimento

São isentos de IR (imposto de renda) sobre os rendimentos e podem ser uma boa opção de investimento, desde que sejam emitidos por instituições financeiras seguras.

6) Fundos de Investimentos:

Podem ser definidos como uma união de recursos que podem ser captados tanto de pessoas físicas como de pessoas jurídicas, que podem ser utilizados para investimentos em projetos públicos ou privados e geram ganhos financeiros aos investidores que são chamados de cotistas.

Quando um investidor aplica seu dinheiro num fundo ele está adquirindo uma determinada quantidade de cotas, cujo valor é apurado e divulgado pela instituição que administra o fundo.

Existem vários tipos de fundos: Fundos Abertos, Fundos Fechados e Fundos Exclusivos.

Dentro dessa classificação encontramos diversos fundos, entre eles:

a) Fundos e Curto Prazo

b) Fundos de Renda Fixa

c) Fundos de Ações

d) Fundos Multimercado

e) Fundos de investimento em Direitos Creditórios (FIDC)

f) Fundo de Investimento Imobiliário

g) Fundos de Investimentos em Participações

É importante o investidor conhecer o regulamento do fundo e ler a lâmina, onde constam as informações do fundo, tais como: prazo de aplicação, indexador, tributação, riscos, etc.

Existem outros tipos de fundos além dos elencados acima, e você caro leitor pode obter maiores informações no site da CVM (www.cvm.gov.br)

7) Ações:

Ações são valores mobiliários emitidos por sociedades anônimas representativos de uma parcela do seu capital social. Em outras palavras, são títulos de propriedade que conferem a seus detentores (investidores) a participação na sociedade da empresa.

Elas são emitidas por empresas que desejam via de regra captar recursos para desenvolver projetos que viabilizem o seu crescimento. (ampliação de suas instalações, construção de novas plantas, investimentos em novos produtos e serviços, etc.)

As ações podem ser de dois tipos, ordinárias ou preferenciais, sendo que a principal diferença é que as ordinárias dão ao seu detentor direito de voto nas assembleias de acionistas e as preferenciais permitem o recebimento de dividendos em valor superior ao das ações ordinárias, bem como a prioridade no recebimento de reembolso do capital.

O primeiro lançamento de ações no mercado é chamado de Oferta Pública Inicial (também conhecido pela sigla em inglês IPO (Initial Public Offer). Após a abertura de capital e a oferta inicial, a empresa poderá realizar outras ofertas públicas, conhecidas como “Follow on”.

As ofertas públicas de ações (IPO e Follow on) podem ser primárias e/ou secundárias. Nas ofertas primárias, a empresa capta recursos novos para investimento e reestruturação de passivos, ou seja, ocorre efetivamente um aumento de capital da empresa. As ofertas secundárias, por sua vez, proporcionam liquidez aos empreendedores, que vendem parte de suas ações, num processo em que o capital da empresa permanece o mesmo, porém ocorre um aumento na base de sócios

A B3 (Bolsa de Valores de São Paulo, onde são negociadas as ações) criou segmentos especiais de listagem das companhias:

a) Bovespa Mais,

b) Bovespa Mais Nível 2

c) Novo Mercado

d) Nível 2

e) Nível 1

Os segmentos listados acima prezam por rígidas regras de governança corporativa. Essas regras vão além das obrigações que as companhias têm perante a Lei das Sociedades por Ações e têm como objetivo melhorar a avaliação das companhias que decidem aderir, voluntariamente, a um desses níveis de listagem.

Além disso, tais regras atraem os investidores. Ao assegurar direitos e garantias aos acionistas, bem como a divulgação de informações mais completas para controladores, gestores da companhia e participantes do mercado, o risco é reduzido. (texto extraído do site da B3 – www.b3.com.br)

Elencamos neste artigo os principais produtos disponíveis para investimento no mercado brasileiro e conforme a descrição destes, vemos que a grande maioria tem como objetivo a captação de recursos para a economia real, ou seja, propiciar recursos para empresas e governo realizarem investimentos no sentido de crescimento e desenvolvimento da economia e do país, ou seja, quando estamos investindo num produto financeiro estamos proporcionando ao tomador de recursos realizar investimentos na economia real.

Ao investirmos num produto financeiro estamos gerando recursos para o desenvolvimento da economia, e ao mesmo tempo formando uma poupança, seja de curto ou longo prazo, que nos permite num determinado espaço de tempo, realizar nossos projetos de vida, como por exemplo, a realização de um curso numa universidade internacional, poupar dinheiro para aquisição de um imóvel, para a aposentadoria; etc. Através da alocação de recursos nestes produtos, podemos planejar o nosso futuro pessoal.

Mas será que o mercado financeiro é causa da desigualdade social? A desigualdade social tem raízes muito mais profundas, como causas históricas, regiões com extrema pobreza sem acesso aos recursos básicos tais como saneamento básico, educação, moradia entre outros.

Simplesmente culpar o mercado financeiro é se pautar por uma análise bastante superficial e desprovida de senso crítico e de um estudo mais profundo da história humana.

Talvez o mercado financeiro possa acentuar em certa medida a desigualdade social, mas está bem longe de ser o causador, pelo menos em minha humilde opinião e mais de 35 anos de atuação no mercado financeiro.

Uma outra pergunta que possa pairar na cabeça de alguns: - Mas é quando alguma empresa quebra e prejudica muitas vezes, milhares de investidores?

Aparentemente é culpa do mercado financeiro, mas será?

Vamos examinar o caso da ENRON, empresa americana do Setor de Energia.

A ENRON era uma gigante do mercado de energia e sétima maior empresa dos Estados Unidos faliu no início de 2002, deixando um rombo de 1,5 bilhão de dólares e uma dívida de mais de 13 bilhões de dólares, segundo matéria datada de 02 de fevereiro de 2002 no jornal “O Estado de São Paulo”.

Ainda segundo esta mesma matéria, a causa da falência da ENRON, foram anos de fraudes contábeis realizadas pelos seus diretores, com o objetivo de reduzir prejuízos e inflar lucros. Através da constituição de empresas de fachada, a empresa escondia débitos de bilhões de dólares, maquiando seus balanços de forma a apresentar resultados financeiros positivos, com o objetivo de captar recursos no mercado financeiro, lesando milhares de investidores.

Fica uma pergunta: Foi o mercado financeiro responsável pela perda imposta aos investidores, ou foi a fraude contábil gerada pela empresa a verdadeira razão?

A resposta nos parece clara: - A empresa foi a responsável, tanto que seus diretores foram condenados e presos.

Existem outros casos similares tanto no mercado internacional, como no mercado nacional e o leitor pode se aprofundar e pesquisar estes casos para uma análise mais aprofundada das causas da quebra das empresas e seus efeitos no mercado financeiro.

Espero com este breve artigo ter mostrado de forma sucinta o que é o mercado financeiro, seus produtos e objetivos e ajudado a você leitor, a colocar mais variáveis na sua análise, mas fica a critério do livre arbítrio, que é a capacidade inalienável e intransferível de tomar decisões inerente ao ser humano, a sua decisão

MERCADO FINANCEIRO HÉROI OU VILÃO?

Estude, pesquise, medite e ao final:

Você decide.

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